Um ponto de vista sobre o mundo é um ponto de vista sobre o cinema. Se há que esperar dum filme que veicule um ponto de vista sobre o mundo, haverá também que lembrar, hoje, a importância da asserção quase inversa: no ruído audiovisual contemporâneo, a utilização produtiva dos meios do cinema reclama um ainda maior compromisso, uma ainda maior exigência e uma ainda maior clareza sobre o próprio lugar do cinema no mundo actual. Tanto quanto um ponto de vista sobre o mundo, o surto de produção de imagens reclama um ponto de vista sobre o cinema enquanto parte consequente de uma visão do mundo. O seminário de 2006 incluirá exemplos disso, obras e autores que marcam território e que, como tal, nos servirão de âncoras numa viagem por alguns pólos do cinema contemporâneo. Começando com filmes em que é mais sublinhada a existência de um princípio construtor por trás de cada plano, passar-se-á depois sobretudo pelas metodologias recentes do cinema directo.
Encontros pretende circunscrever a presença de uma tribo sonora, musical e poética, humana, uma tribo analógica e surpreendente cujo território não corresponde a nenhum território geograficamente conhecido. O filme entrecruza diferentes encontros, presentes ou passados, entre pessoas e memórias. E assim, através desses entre-cruzamentos de personalidades, por vezes tão diferentes mas que se ‘reconhecem’ umas às outras, desenhar-se-á uma interrogação sobre aquilo que nos constitui, e em que medida a memória, o olhar do outro e as partilhas nos enriquecem.
“Fascinado pelo bairro das Fontainhas, Pedro Costa filma quotidianamente os seus habitantes. Para Pedro, o trabalho e a vida são indissociáveis, o retrato do realizador e do homem são então o mesmo. O filme trata desta ligação indefectível, seguindo a rodagem do filme de Pedro, sem se restringir ao local das filmagens. O meu trabalho situa-se na margem do seu, mais precisamente quando o seu dia de rodagem termina…” – Aurélien Gerbault
Ventura, um imigrante cabo-verdiano dos subúrbios de Lisboa, é abandonado pela sua mulher, Clotilde. Perdido entre as ruínas do velho bairro, onde viveu nos últimos trinta e quatro anos, e o seu novo apartamento, num bairro de realojamento social acabado de construir, todos os amigos e vizinhos que encontra se tornam seus filhos.
Esta é a história do Verão do Rui. O Rui tem 13 anos e, ao contrário dos outros rapazes do bairro, não gosta de futebol, antes prefere refugiar-se num mundo fantástico povoado de dinossauros e outros animais da selva. Mas este não é um Verão qualquer. Estamos em Junho de 2004, o mês do Campeonato Europeu de Futebol, o mês em que os miúdos entram de férias da escola, o calor aperta, e não há nada para fazer a não ser esperar pelos jogos, adivinhar resultados, e acreditar que uma vitória portuguesa no Europeu possa ‘salvar’ o país da depressão. Por vezes, o bairro surge-nos como idílico e harmonioso, outras vezes somos surpreendidos pela violência a que os miúdos estão expostos e que reproduzem diariamente. No final, a derrota e a resignação: a vida continua…
Tudo pode acontecer quando se observa um bairro que fica entre a linha do comboio e a linha do mar. Este comboio termina na cidade de Lagos. Meia-Praia é nome e terra dos ‘índios’ que, vindos de Monte Gordo, espontaneamente construíram as suas cabanas de refúgio para sobreviverem ao sonho dourado que Lagos não conseguiu cumprir. Com o 25 Abril, foi desenvolvido um plano arquitectónico intitulado SAAL – Serviço de Apoio Ambulatório Local, com o objectivo de requalificar urbanisticamente o conjunto de barracas feitas de junco, transformando-as em casas construídas pelos próprios habitantes, orientados por arquitectos e técnicos especializados. Muitas das promessas políticas feitas há trinta anos continuam por cumprir. A comunidade de pescadores da Meia-Praia é um tema que faz parte da memória colectiva pós-revolucionária.
Sunder Nagri (Cidade Bonita) é uma vila de pequeno operariado nos arredores de Delhi. A maior parte das famílias que aí residem vem de uma comunidade de tecelões. Nos últimos dez anos assistiu-se a uma desintegração gradual da tradição de tecelagem manual nesta comunidade, face ao regime de globalização. As famílias têm de lidar com a mudança e reinventar-se a si mesmas para dar rumo às suas vidas. Sunder Nagri é a história de duas famílias que lutam por dar sentido a um mundo que os atira cada vez mais para as periferias. Radha e Bal Krishan atravessam um momento crítico da sua relação. Bal Krishan tem empregos precários e é constantemente enganado. Os dois estão em desacordo em relação à possibilidade de Radha ir trabalhar. Apesar dos altos e baixos, ainda conseguem rir. Shakuntla e Hira Lal quase não comunicam. Vivem sob o mesmo tecto com as suas crianças, mas estão encurralados nas suas próprias tragédias pessoais.
Belfast, Maine é um filme sobre experiências comuns numa bonita cidade portuária da Nova Inglaterra. Um retrato da vida diária com especial ênfase no trabalho e na vida cultural da comunidade. O filme foca o trabalho de pescadores de lagostas, mestres de rebocadores, operários, comerciantes, conselheiros camarários, médicos, juízes, polícias, professores, assistentes sociais, enfermeiras e padres. As actividades culturais retratadas incluem ensaios de coro, aulas de dança, aulas de música e a produção de peças de teatro.
Sessão de apresentação dos filmes do projecto ‘O Primeiro Olhar’, com Pierre-Marie Goulet, Teresa Garcia e Kees Baker
Anna Semionovna, médica, judia e russa, vive numa pequena cidade ucraniana invadida pelos alemães. Anna escreve uma última carta ao seu filho, que está a salvo da guerra. Anna sabe que dentro de alguns dias, juntamente com outros judeus, será ‘eliminada’ pelos alemães. A carta recorda alguns dos momentos mais importantes da sua vida: a relação com o filho, o seu amor por ele, a sua vida de estudante em Paris, o seu casamento falhado. Anna descreve a crueldade e o horror da ocupação, a relutância em admitir o que está a acontecer, a colaboração, indiferença e inveja de alguns dos seus vizinhos ucranianos e russos, a ajuda e preocupação de outros, e a gradual percepção que a sua herança judia é, para si, mais importante do que a sua nacionalidade russa e crença comunista.
Através dos arquivos de Robert Kramer, Keja Ho, como um detective, anda à procura do pai morto. A presença fantasmagórica do pai assombra-a enquanto ela faz a sua investigação, oscilando num diálogo pessoal entre memórias familiares, as reminiscências de amigos e a imagem fugidia do pai. A colaboração com Stephen Dwoskin está no fazer das imagens e no combiná-las de um modo que fala de sentimentos. A forma de I’ll Be Your Eyes, You’ll Be Mine não é nem a de um documentário nem de uma cronologia. É uma forma muito pessoal que nasce da incrível ausência que sentimos na morte.
Aurélien Gerbault nasceu em 1975. Depois de estudos em História de Arte e Cinema, dirigiu cursos de iniciação ao cinema numa organização sem fins lucrativos. Interessou-se na escrita e realização de documentários, tendo feito uma formação profissional em 16mm. O seu encontro com Pedro Costa e a originalidade da sua abordagem cinematográfica, inspiraram-no a escrever Tout refleurit, no qual trabalha desde 2003.
Realizadora e antropóloga portuguesa. Nascida no Porto, estudou Antropologia Social, fez o Mestrado em Antropologia Visual no Granada Centre for Visual Anthropology da Universidade de Manchester e o Doutoramento na Universidade Nova de Lisboa com a tese Camponeses do Cinema. Entre 1994 e 2000 trabalhou no Museu Nacional de Etnologia. É Professora Auxiliar da Universidade Nova de Lisboa e Coordenadora do Mestrado em Antropologia – Culturas Visuais. Ensina também nos mestrados e doutoramentos da Universidade de São Paulo e na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Barcelona. Em 2000 fundou, com Catarina Mourão, a produtora Laranja Azul. No cinema destaca-se o seu trabalho e publicações em documentário e etnografia.
Catarina Mourão nasce em Lisboa em 1969. Estudou Música, Direito e Cinema (Mestrado na Universidade de Bristol e Doutoramento pela Universidade de Edimburgo, bolseira da FCT em ambos). Fundadora da AporDoc (Associação pelo Documentário Português). Dá aulas de Cinema e Documentário desde 1998 em diferentes Licenciaturas e Mestrados. Atualmente é docente no mestrado de Artes e Multimedia na FBAUL. Em 2000 cria com Catarina Alves Costa a Laranja Azul, produtora independente de cinema. Realizou vários filmes premiados. As suas áreas principais de investigação são o documentário, a memória, o sonho, o arquivo e a autobiografia.
Nasceu em Boston, em 1930. Realizou o seu primeiro filme, Titicut Follies, sobre uma instituição psiquiátrica para reclusos, em 1967, no auge do cinema directo. Em 30 anos de carreira cinematográfica, realizou cerca de um filme por ano, explorando instituições americanas.
Keja Ho Kramer (1974, São Francisco) estudou artes plásticas, e é autora de várias obras de vídeo e exposições.
Nasceu em Lisboa (1961). Estudou cinema na New York Film Academy. Realizou vários documentários desde 1991.
Naquela que poderia ser considerada a sua primeira incursão pelo documentário, Pedro Costa desmonta qualquer possibilidade de categorização. Após três longas-metragens realizadas entre 1989 e 1997, No Quarto da Vanda interrompe definitivamente a sistematização do processo de produção e põe em causa todas as noções que esse sistema informa sobre a relação do filme com o real.
Nasce em Lisboa em 1974. Em 1998 termina a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Desde aí realizou filmes que foram exibidos em festivais como Cannes, Berlinale, Rotterdão, BFI London Film Festival, Festival d’Angers, Viennale, Vila do Conde, Rio de Janeiro, Zinebi, entre outros. Em 2006 fundou a produtora Terratreme (antiga Raiva), onde tem feito a produção executiva de diversos projectos.