Gostaríamos de convidar-vos para uma viagem. Não para atravessar o oceano, mas para examinar a sua superfície. Esquece a história sólida e luminosa dos continentes e os seus faróis que desfazem a noite com as suas certezas deslumbrantes. Em vez disso, entra na sombra macia das profundezas, do outro lado do espelho opaco da água, numa paisagem infinitamente mutante que ignora as velhas fronteiras e os limites do corpo. Movimento líquido de subversão, ondas de vozes e ondas de rádio, telepatia. Space is the place. Este não é lugar para monumentos, para além dos ossos daquelas que são atiradas borda fora. Migrantes que têm como bússola o desespero, mulheres grávidas que fertilizam as profundezas do oceano. A terra deste outro planeta, tão próximo, engendra alienígenas que adoptamos como parentes, tal como os mortos de ontem se tornam aliados das nossas lutas. O descendente de escravos, afogado e anónimo, exala na sua concha a chamada à revolta. Conseguem ouvir?
Imagina por um momento que eu sou alienígena, o que sou pelos padrões de muitos, incluindo o meu … descendente de alienígenas que têm criado cidades em águas profundas, chamadas (gravar um som da água). Essas cidades são populações são grandes descendentes de bebés em gestação que estavam nos ventres das grávidas por devir escravas atiradas ao mar durante a viagem transatlântica. Alguns de nós são anfíbios. Muitos de nós somos capazes de assumir a forma humana, mas também somos capazes de respirar debaixo d’água. Alguns de nós são eleitos para permanecer na forma humana. Aqueles que estão na Terra comunicam a cada duas luas cheias com as populações subaquáticas, fornecendo dados e actualizações sobre o que está a acontecer no mundo humano. Temos uma relação muito particular com a Terra, visto que habitamos a maior parte dela. Uma parte virtualmente colonizável da Terra. – Jamika Ajalon
Mourir en Peu é composto por très curtas-metragens unidas pelo tema da descoberta da América (a cidade filmada como viagem marítima, os seus cafés mostrados como museu da colonização, a volta ao mundo dentro do espaço da casa) e ligadas pela interrogação do cineasta sobre o seu próprio percurso.
“Tirei as fotografias. Gosto de tirar fotografias, embora não esteja interessado na fotografia como um fim. As imagens em Indefinite Pitch são para mim como um baralho de cartas: um conjunto fixo que é infinitamente misturável e sem valor individual fora do jogo. Eu queria criar imagens que fossem específicas e vagas ao mesmo tempo.Representam exactamente o que se diz representar (a linha costeira do rio Androscoggin em Lewiston / Auburn, Maine), mas não nos dizem muito sobre o local. São bonitas (na minha opinião) mas também genéricas, da forma como as coisas mais bonitas são genéricas. Como uma foto de um pôr-do-sol. Ou um modelo de fato de banho de catálogo. Ou talvez um filme de sucesso em Sundance. ” – James N. Kienitz Wilkins, entrevista para a Warehouse Industries, 2017
A curta de dez minutos de Woodberry, Marseille Après la Guerre, é um retrato poético, a preto e branco, dos trabalhadores portuários em Marselha após a Segunda Guerra Mundial, e também uma homenagem ao grande realizador de cinema senegalês, Ousmane Sembène. Investigando há vários anos a história da União Marítima Nacional, um sindicato radical de marinheiros fundado em 1937, Billy descobriu uma colecção de fotografias de fotógrafos sindicais das docas de Marselha, muitas delas retratando trabalhadores portuários de ascendência africana. As imagens lembraram Billy do livro de Sembène, ‘Le Docker Noir’, daí o filme. Embora as fotografias sejam estáticas, o enquadramento e montagem de Billy criam uma narrativa visual comovente, sustentada pela música atmosférica Marselhesa de Moussu T e lei Jovents. – Jan-Christopher Horak
Black Code/Code Noir gira em torno dos assassinatos de Michael Brown e Kajieme Powell, dois afro-americanos mortos por agentes da polícia dos EUA, no Missouri, em 2014. Através de uma intrincada estratificação, o realizador britânico Louis Henderson coloca os acontecimentos numa perspectiva mais ampla para reflectir criticamente sobre os mesmos, tomando-os como as mais recentes manifestações de uma longa história de escravatura e opressão racial. Tal como um arqueólogo, Henderson cava material na World Wide Web, utilizando imagens em circulação e imagens móveis, fragmentos de notícias, gráficos e animações para traçar uma linha até às actuais convulsões em Ferguson. Ainda hoje, as interacções sociais continuam a ser determinadas pela história da escravatura e pelos ‘códigos negros’ que restringem os direitos humanos dos negros nos Estados Unidos. Os códigos sociais interiorizados e as estruturas racistas estão ademais inscritos na cultura algorítmica e nos mecanismos de vigilância controlados por mega dados, com base nos quais o estado policial americano decide entre a vida e a morte dos afro-americanos. No entanto, para Henderson, olhar para trás na história também proporciona esperança para o futuro: Poderá a insurreição anti-escravagista que teve lugar na antiga colónia francesa de Saint Domingue, no século XVIII, ser um guia sobre como quebrar o ‘código negro’? (Foto Museum)
Amílcar Cabral foi assassinado a 20 de Janeiro de 1973. Passados 47 anos do seu assassinato, continua a ser frequente a utilização de expressões que remetem para a imortalidade do seu pensamento e da sua acção. No entanto, essas expressões isoladas dizem pouco sobre quais as possibilidades de emergência de eventuais legados que se situem simultaneamente no plano político e quotidiano, local e transnacional. É sobre essas possibilidades que se procura reflectir e discutir nesta sessão, partindo do filme que convoca reais e potenciais retornos de Amílcar Cabral. O filme O Regresso de Amílcar Cabral mostra a cerimónia solene em torno do retorno dos restos mortais de Amílcar Cabral de Conacri, onde foi assassinado em Janeiro de 1973, para Bissau, em 1976. Foi um trabalho colectivo dos cineastas guineenses e um dos poucos documentários que conseguiram terminar. De acordo com Sana na N’Hada, o objectivo original deste filme foi convidar a diáspora guineense a retornar à recém-libertada nação.
In Search of UIQ desdobra-se a partir da história de ficção científica no guião perdido de Félix Guattari, ‘Un Amour d’UIQ’. Concebido durante a década de 1980, este filme por vir imagina a descoberta do Universo Infra-quark (UIQ), uma inteligência alienígena vindo de uma dimensão paralela que se apaixona por um dos seus anfitriões humanos, um acontecimento que tem consequências catastróficas para todo o planeta. Movendo-se entre documentário, ficção e ensaio, utilizando videos, filmes e sons de arquivo, cartas e outros documentos enredados numa série de fabulações, In Search of UIQ explora o que o cinema do Infra-quark poderia ter sido (e poderá ainda vir a ser) e considera a sua relação com as principais transformações sociais e políticas do nosso tempo, desde as lutas autonomistas até à recodificação digital da vida.
Uma obra-prima chave da Rebelião de L.A., Bless Their Little Hearts destila as preocupações sociais e a estética desse movimento de vanguarda no cinema afro-americano. O filme de Billy Woodberry revela o seu olhar atento, a sua sensibilidade para as subtilezas de uma comunidade e da família, e o poder do blues. Em busca de trabalho estável, Charlie Banks (Nate Hardman) vê o seu desemprego crónico como uma espécie de processo espiritual. Mas o trabalho diurno e a venda de alguns peixes-gato não sustenta uma família de cinco pessoas. Enquanto a sua esposa, Andais (Kaycee Moore), trabalha para os sustentar com dignidade, Charlie encontra conforto para o seu sentido de virilidade ferido num caso que ameaça o seu casamento e família. No coração deste filme devastadoramente belo está o confronto agonizante do casal – filmado num take contínuo de dez minutos – considerado ‘um dos grandes cataclismos domésticos do cinema moderno’. (Richard Brody, The New Yorker)
The Third Part of the Third Measure, uma nova composição audiovisual encomendada pelo Instituto de Arte Contemporânea, Bienal de Filadélfia e Sharjah 13, cria um encontro com o minimalismo militante do compositor, pianista e vocalista de vanguarda Julius Eastman. The Third Part of the Third Measure centra-se naquilo a que o Otolith Group descreve como “uma experiência de visualização na chave da audição”, invocando sentimentos de rebeldia política e a construção colectiva de movimentos que participem nas lutas globais contra o autoritarismo neo-reaccionário. The Third Part of the Third Measure convida os espectadores a tomar parte na estética extática exemplar do radicalismo negro que o próprio Eastman descreveu como “cheia de honra, integridade e coragem sem limites”.
People to be Resembling é um retrato pentagonal de Codona, o trio de música pré-música do mundo, pós-jazz livre, fundado pelos multi-instrumentistas Collin Walcott, Don Cherry e Nana Vasconcelos, em 1978. Na sua montagem de positivos e negativos, com imagens em movimento a cores e a preto e branco, e composições originais de Charles Hayward, People to be Resembling imagina o processo de gravação como uma meditação sobre permutação e coabitação.
Em La Panne des Sens regressa-se à Martinica de Césaire para redescobrir paisagens parecidas a cenários de ópera e florestas semelhantes a fortalezas. Há uma força surda e latente que varre o palco da servidão e só insuficientemente rebenta a cada tormenta.
O projeto contínuo de Myriam Lefkowitz, Walk, Hands, Eyes, examina a relação entre uma cidade e seus habitantes. Ao longo de uma hora de passeio em silêncio, participante e guia estabelecem uma relação de imersão com o meio através dos actos simples de caminhar, ver e tocar. Na pequena cidade ribeirinha de Arcos de Valdevez, os participantes do seminário Doc’s Kingdom orientaram-se em pares após um workshop prático oferecido pela coreógrafa.
Mining for Ringwoodite compara a descoberta geológica, de 2014, de água ‘fossilizada’ – denominada Ringwoodite – encontrada no interior de um diamante no Brasil, com as prospecções de mineração na lua ou em asteróides, conforme tem sido anunciado por empresas privadas nos últimos anos. O ringwoodite, que mantém a água sob a forma de hidrogénio e oxigénio ligados entre si, só pode ser encontrado na zona de transição da terra, entre 410 e 660 quilómetros abaixo da superfície terrestre. Até agora, só tinha sido criada artificialmente em laboratório ou encontrada em rochas de asteróides. Entretanto, a análise de ondas sísmicas sugeriu a presença de um vasto repositório de ringwoodite sob os EUA, e estão em curso estudos adicionais noutras geografias. Dado que a escassez de água só irá piorar ao longo do século XXI, este episódio especula sobre um futuro próximo em que a ringwoodite, bem como os minerais raros encontrados nos asteróides próximos, serão objecto de uma nova economia mineira. Neste futuro, talvez tanto o intra como o extraterrestre sejam novas fronteiras capitalistas, à semelhança do papel da mineração de ouro e prata no passado colonial.
Este episódio, inserido no contexto da colaboração dos Inhabitants com a Contour Biennale 8, avalia a ficção da imagem alegórica em contraste com o conceito de pessoa jurídica. Em particular, coloca o corpo abstracto da Justiça em perspectiva relativamente ao estatuto atribuído às corporações com fins jurídicos sob o abrigo do código de direito dos Estados Unidos. Ao tom de bandas e compositoras feministas pós-punk, baseamo-nos num caso jurídico recente do Supremo Tribunal dos EUA, que concedeu direitos religiosos a uma corporação chamada Hobby Lobby, o que lhe permitiu negar a sua obrigação federal de fornecer cuidados de saúde contraceptivos às suas empregadas femininas. O caso estabelece um registo de jurisprudência dentro da ‘Common Law’ dos Estados Unidos, o que significa que os juízes não só aplicam a lei, como elaboram a partir dela, através de casos exemplares que podem depois ser utilizados em casos futuros. Como tal, as consequências do veredicto do caso Hobby Lobby, abrindo o caminho para que as corporações possam preconizar uma prática religiosa, pode vir a afectar a autonomia e os direitos das mulheres sobre os seus corpos no futuro.
O filme que abalou as raízes do movimento underground dos anos 80, esta provocação pós-punk é uma fantasia DIY da rebelião feminina americana dez anos após uma revolução cultural social-democrata. Quando Adelaide Norris (Jean Satterfield), a revolucionária negra fundadora do Exército da Mulher, é misteriosamente assassinada, uma diversificada coligação de mulheres – cruzando todas as linhas de raça, classe, e orientação sexual – emerge para rebentar com o sistema. Filmado ao estilo ‘guerrilla’ nas ruas de uma Nova Iorque pré-gentrificação, Born in Flames é um cocktail molotov de futurismo feminista, que é em simultâneo um documento essencial do momento e uma manifestação radicalmente à frente do seu tempo.
Alien(s)kin: Queer other Other Lands of Here é uma performance audiovisual poética que fala à agência POC (pessoa de cor) queer, das chamadas margens, como disruptores de narrativas e crono-geografias dominantes. Eternamente transpondo barreiras, fronteiras, com um olho no ‘espaço’ como lugar para a realização, criação e recriação de zonas alternativas no tempo/espaço – Zonas onde narrativas alternativas respiram e semeiam geografias transitórias.
A figura lendária do Beat, Bob Kaufman, considerava a poesia uma chave para a sobrevivência humana, uma ideia tornada ainda mais legítima pela longevidade que lhe concedeu: as coisas que ele viu, ouviu, provou, sentiu, e, acima de tudo, o pensamento, foram preservadas na sua obra. Incorporando esse mesmo espírito, o novo filme de Billy Woodberry é talvez o mais perto que podemos chegar de conhecer este homem e o seu tempo. O efeito cumulativo de And When I Die permite compreender com novos olhos uma era familiar e sobre-exposta, em grande parte graças à apreciação honesta de alguns dos membros da geração Beat de Nova Iorque. (Kanopy)
O voodoo por Internet está a crescer no Gana, assim como uma nova indústria, onde jovens trabalhadores extraem não só metais, mas também detalhes bancários e fotografias de férias dos discos rígidos que são para lá enviados para serem sucateados. Uma espécie de mineração arqueológica inversa, onde os metais, inicialmente exportados para o Ocidente, regressam agora sob a forma de hardware antiquado. Tudo isto segundo o contador de histórias ganês, que apresenta o seu país nestas ‘carta de um visionário’, que formam a espinha dorsal narrativa (e dão título) ao filme hipnótico de Henderson, que ilustra os seus pontos vertiginosos com a mente aberta de um espectador errante e com reconstruções gráficas em 3D de sistemas de minas subterrâneas. (CPH:DOX)
À medida que o progresso tecnológico avança no Ocidente, enormes montes de computadores obsoletos são deitados fora e reciclados. Empurrados para fora da vista e enviados para a costa da África Ocidental, estes computadores são deitados em lixeiras, como a Agbogbloshie, em Accra, no Gana. À chegada, o lixo electrónico é recuperado por homens jovens, que partem e queimam as carcaças de plástico para extrair os metais preciosos contidos no seu interior. Eventualmente, os metais são vendidos, fundidos e transformados em novos objectos a ser vendidos de novo – é um estranho sistema de reciclagem, uma espécie de mineração neocolonial inversa, em que os africanos procuram recursos minerais nos materiais da Europa. Ao mostrar estes processos pesados, o filme destaca a importância de dissipar o mito capitalista sobre a imaterialidade da nova tecnologia, para revelar o peso mineral da Nuvem nos seus alicerces de origens terrestres.
Anathema reimagina o comportamento microscópico dos cristais líquidos em turbulência, como uma entidade senciente possuidora de extremidades cativadas pelos ecrãs tácteis LCD do capitalismo comunicativo. Ao isolar e recombinar os gestos mágicos da fábrica de sonhos capitalista, Anathema propõe-se como um protótipo para um contra-feitiço montado a partir dos mundos possíveis da feitiçaria capitalista.
Special Features assume a forma de uma entrevista, filmada com uma câmara de vídeo antiga, conduzida por Wilkins com um homem afro-americano (representado por três actores diferentes em vários pontos do filme) que conta um sonho (ou será que foi?) envolvendo outro homem – o titular da trilogia, Andre – que trabalhava como segurança numa festa na casa de Shaquille O’Neal. (“Foi traçado como um filme de tão vívido”, diz ele.) Mas o significado do seu sonho parece residir, não nas suas implicações psicanalíticas, nem na contradição metafísica que o seu sujeito encarna (o morto-vivo), mas na tecnologia e no papel da Internet na determinação do conteúdo da sua história. O relato do homem assemelha-se mais a uma memória nebulosa de um vídeo do YouTube visto num momento incerto no passado, e Wilkins aproveita esta imprecisão narrativa para esbater as linhas entre a experiência vivida simples e a experiência tecnologicamente mediada (há alguma diferença?), ficção e verdade, o virtual e o real. (Cinema Scope)
Um personagem desencarnado e anónimo reflecte sobre o titular Andre, um companheiro de prisão cujas obsessões com o cinema comercial e tecnologias de vídeo servem como pistas oblíquas de como ele escapou. As aspirações de Andre, de alcançar uma fidelidade absoluta na produção de uma imagem, cruzam-se com questões sobre representação, identidade e ética pessoal: “O título é literal. É um ‘b-roll’ com o Andre. O ‘a-roll’ (material de filmagem normalmente tido informação primária) não é com o Andre. Na linguagem de edição de hoje, o ‘b-roll’ é um apoio às filmagens principais: imagens de corte, preenchimentos para cobrir uma má edição, pedaços e peças para apoiar o argumento principal do ‘a-roll’. Estes são os momentos que temos mais próximos do André, se assumirmos que a GoPro encontrada na caixa foi operada por ele. É a única prova física, e a única filmagem original, apesar de ser vista como uma filmagem suplementar”. – James N. Kienitz Wilkins para a Vdrome
“Se vires, filma”. As imagens captadas pelos cidadãos, distribuídas através das redes sociais, galvanizaram os movimentos sociais na exigência de transparência e responsabilidade. Como instrumento político, estes vídeos reverteram a vigilância contra si própria, propondo em vez disso um registo que vem de baixo; por outras palavras, um tipo de vigilância conduzida pelos cidadãos contra o poder e o abuso, no que tem sido chamado de ‘sousveillance’. Porém, num contexto que vai além dos nossos ‘feeds’ de notícias, como é que o vídeo filmado pelos cidadãos se torna realmente uma prova? Como é que actua no sistema jurídico? Será que na sua maioria estes vídeos tem valor legal?
Num pequeno teatro de Lisboa, uma organização que se intitula The Nature Theatre of Oklahoma, que afirma poder empregar toda a gente, recruta actores na véspera de uma viagem transatlântica. Mas as razões para esta viagem permanecem um mistério. Qual é a relação entre o Teatro de Oklahoma e o navio, com o seu regime de controlo, trabalho e entretenimento? E o sinais que começam a surgir nos gestos corporais, vozes, sonhos, frequências de rádio, cartas, ondas, no oceano, o que nos dizem? No seguimento do ‘Project for a Film by Kafka’ de Guattari, e em homenagem à ‘Amerika’ de Kafka, Disappear One trabalha uma série de variações em torno do romance inacabado, no contexto de um naufrágio iminente, deslocando a trajectória da viagem de Karl em direcção ao Brasil, e traçando as linhas do seu desaparecimento nas profundezas do Atlântico Sul.
Mediums é uma média-metragem filmada exclusivamente em planos médios, sobre um grupo de potenciais jurados reunidos na sua pausa. As personagens antecipam o seu envolvimento no sistema legal americano, enquanto canalizam dicas e conselhos para passar o dia.
“Precisamos de outros tipos de histórias”, implora Donna Haraway de frente para a câmara. “Contando de outra forma”, uma expressão de Haraway, é uma caracterização adequada do trabalho desta pensadora e reformadora de paradigmas, cujas contribuições para os estudos feministas sobre ciência e tecnologia resistem, e até se revoltam, contra as formas hegemónicas de pensar e viver. Mas que forma deveriam assumir estas histórias? Como se farão soar ou sentir? Donna Haraway: Story Telling for Earthly Survival (2016) de Fabrizio Terranova, mostra que o cineasta levou a peito o imperativo de Haraway. As técnicas cinematográficas, tanto subtis como as explícitas, imitam, comentam e evocam os ritmos que sustentam Haraway enquanto pensadora, contadora de histórias e ser humano. Ao experimentar diferentes formas de contar histórias – distorcendo o documentário ao fundir o quotidiano íntimo com um surrealismo lúdico – Terranova dá vida uma das mais evocativas teóricas sociais, e revela a natureza flexível e transformadora da própria narração. – Alexandra Middleton
O que é que aconteceu em Portugal para que, sem grandes abalos, nos rebaixemos a sermos figurantes nas nossas cidades, meros suplementos de cor local, acréscimos de autenticidade dos cenários destinados ao lazer dos turistas? O que é que nos aconteceu para que na passagem de uma para a outra década tenhamos renunciado a viver como actores da história de um país a reinventar? Para que, como crianças apavoradas por um fantasmático castigo, nos tenhamos transformado em incorrigíveis bambinos e eternos militantes da irresponsabilidade? Portugalito é um panfleto triste contra o nacionalismo e o patriotismo que parecem cada vez mais em voga.
Hydra Decapita é uma forma de ligar esta atrocidade histórica ao presente do capitalismo financeiro através de algumas outras raízes. Ligamos a atrocidade de 1781, ao quadro de J.M.W. Turner, ‘O Navio Escravo’ de 1840, que tenta visualizar esta atrocidade. Depois ligamos isso ao texto de John Ruskin, de 1843, dos ‘Pintores Modernos, volume I’, no qual fala da metodologia de Turner para pintar água, e onde se refere a esta pintura. Portanto, temos esta constelação de datas, e, por fim, temos a banda de electrónica de Detroit, Drexciya, que entre 1992 e 2002 criou uma série de álbuns ambientados por este reino subaquático chamado Drexciya. Este reino era povoado pelos filhos dos escravos que tinham sido atirados borda fora durante a Passagem do Meio. Nesta ficção científica, as escravas que foram atiradas ao mar não morreram, deram à luz crianças que podiam respirar debaixo de água. Construímos uma relação entre estes elementos. Visualmente, o filme é extremamente monocromático. É também baseado em cânticos, pelo que se obtém um filme de uma desolação sinistra. E tudo isto é a nossa forma de tentar apreender uma abstracção. A ideia é que o capitalismo financeiro funciona através de processos abstractos que têm, no entanto, efeitos reais, o que significa que a nossa linguagem, esteticamente falando, tem de se tornar tão abstracta como a própria realidade. – Kodwo Eshun
Os cineastas Adam e Zack Khalil (Ojibway), em colaboração com o artista Jackson Polys, investigam o recente processo judicial que decidiu o destino dos restos mortais de um homem pré-histórico paleo-americano encontrado em Kennewick, no estado de Washington, em 1996. O caso colocou o povo Umatilla e outras tribos, que queriam providenciar um enterro ao ‘Ancião’, contra dois cientistas – um dos quais pertencia ao Instituto Smithsonian, financiado com fundos públicos – que queriam estudar o ‘Homem de Kennewick’. Para que a reivindicação fosse abrangida pelo Native American Graves Protection and Repatriation Act (NAGPRA) – uma das principais legislações patrimoniais norte-americanas, tratando da repatriação e proteção de remanescentes humanos e objectos funerários associados -, tornou-se necessário estabelecer a linhagem destes restos mortais. Esta luta desencadeou uma controvérsia com grupos que tentavam estabelecer a ancestralidade branca, procurando minar completamente a soberania indígena sobre a terra e os antepassados, e anular séculos de violência colonial. A ciência emergente do ADN e da morfologia craniana foram grotescamente chamadas a testemunhar a pureza étnica dos ossos, enquanto as declarações dos nativos no sentido da encarnação desse conhecimento sobre a sua origem tinham poucos meios para se dirigirem ao tribunal. Apesar de tudo isto, o povo Umatilla e outras tribos acabaram por repatriar o ‘Ancião’, tendo sido reenterrado no início deste ano, em 2017.
Uma investigação sobre a exploração mineira no oceano profundo, num esforço para informar e ajudar a antecipar esta, por agora hipotética, indústria. O salto da especulação para a realidade é, no entanto, curto. Poder-se-ia dizer que não existe indústria mineira em alto mar. No entanto, aquilo que está a ser impulsionado é um discurso, uma linguagem, e um imaginário (uma especulação), criando as condições para que o interesse financeiro estabeleça como inevitável esta nova fronteira económica.
Louis Henderson partilha filmagens do seu actual projecto no Haiti, que reflecte sobre o legado do revolucionário haitiano Toussaint Louverture.
Num futuro distópico em que a extração de petróleo se tornou uma catastrófica realidade em Portugal, um cidadão-jornalista olha para trás, tentando entender como foi possível avançar com tal decisão. Para um Futuro Livre de Petróleo é uma mini-série de vídeos de reação contra a prospeção e futura extração de combustíveis fósseis (petróleo e gás natural) ao largo da costa portuguesa (offshore) e em terra (onshore) através de fracturação hidráulica ou fracking. Nos últimos anos, e em particular em 2015, sob a tutela do antigo governo PSD/CDS-PP, foram propostos e assinados contratos neste âmbito entre o Estado Português e várias companhias petrolíferas (Galp, Partex, Repsol, Eni, Australis, Cosmos e a polémica Portfuel). O assunto é do maior interesse nacional, dados os seus impactos ambientes, rutura com compromissos climáticos internacionais e uma redefinição, mais poluente, do plano energético português. No entanto, estes contratos foram assinados à revelia da população. Entretanto no poder, o governo PS tem evitado uma posição clara sobre o caso e até ao momento parece concordar com o avanço destes negócios.