Um programa de visões utópicas e distópicas do mundo em que vivemos: lugares insulados onde se condensa o mundo inteiro, territórios descobertos onde se sobrepõem, como numa rocha estratificada, diferentes tempos e origens, gestos solitários e gestus colectivos, tensões entre o visível e o invisível, a palavra e a imagem, o interior e o exterior, o real e o imaginário, a memória e a transformação. Ao materializar concretamente, no meio do oceano, as utopias da comunidade e do retiro que estão na génese do Doc’s Kingdom, a ‘Ideia de uma ilha’ é, portanto, literal e metonímica, como o é todo o cinema e cada plano de um filme. Estarão em causa questões ligadas à terra, nos múltiplos sentidos da expressão, como estarão presentes o mar, a realidade atópica do mundo globalizado, as quimeras sociais e os sonhos individuais, o isolamento e a alienação, um panorama heterogéneo de imagens e visões do mundo. Pela primeira vez na história do seminário, o programa não foi divulgado antecipadamente: a cada dia o grupo entrou na sala de cinema sem conhecer o alinhamento da sessão. Partindo sem mapa, aliando a disponibilidade e o risco, cada participante no Doc’s Kingdom cooperou numa experiência que não pôde prever, mas que não terá deixado de imaginar e de projectar individualmente.
Fotografias recuperadas de uma expedição polar de 1897 (uma tentativa fracassada de alcançar o Pólo Norte num balão de ar quente) estimulam uma reflexão sobre ‘as limitações da imagem e outras formas de registo, e a interação paradoxal entre o tempo do filme, o tempo histórico, o tempo real e o momento fixo da fotografia’.
The Forgotten Space segue contentores de carga a bordo de navios, barcaças, comboios e camiões, ouvindo trabalhadores, engenheiros, gestores, políticos e aqueles marginalizados pelo sistema de transporte de carga. Visitamos agricultores e aldeões deslocados na Holanda e na Bélgica, camionistas mal pagos em Los Angeles, marinheiros a bordo de mega-navios que viajam entre a Ásia e a Europa, e operários de fábrica na China, cujos baixos salários são a frágil chave do quebra-cabeça. E em Bilbao, descobrimos a expressão mais sofisticada da crença de que a economia marítima e o próprio mar estão um tanto obsoletos. Uma variedade de materiais é usada: documentário descritivo, entrevistas, fotos e imagens de arquivo, excertos de filmes antigos. O resultado é um documentário visual ensaístico sobre um dos processos de maior importância e com mais efeito sobre nós no tempo presente. The Forgotten Space surge a partir da investigação fotográfica iniciada por Sekula em Fish Story, onde tenta compreender e descrever o mundo marítimo contemporâneo na sua relação com o complexo legado simbólico do mar.
Combinando a narrativa epistolar, a meditação pessoal e o jornalismo, okay bye-bye examina a possibilidade de compreender algo tão monumental como o genocídio do povo do Camboja durante o regime de Pol Pot. A descoberta de fragmentos de imagens em super8, de um cambojano não-identificado, estimula a ‘pesquisa privada’ de Baron sobre o Khmer Vermelho e as fotografias arquivadas do campo de extermínio de Tuoi Sleng, gerando uma reflexão sobre a complicada relação entre imagem e memória, o passado e o presente.
Em 1990, Robert Kramer vai para Berlim por seis meses, onde filma um plano de uma hora na casa de banho do seu apartamento. De frente para a câmara, o cineasta pensa, sozinho, na queda do muro de Berlim.
Os cinco elementos japoneses são, em ordem de importância – Terra, Água, Fogo, Vento e Vazio. Pessoas e animais estão lado a lado num jogo muito antigo. Existe dia e noite. Tudo existe simultaneamente. Uma viagem pela fronteira portuguesa. O realizador conduz-nos numa viagem pelas fronteiras continentais e marítimas portuguesas, orientadas por um mapa de Portugal. Um ano de fotos que cruzam as quatro estações. A paisagem é visitada ao pormenor, entre edifícios e paisagens naturais, arquitectura denunciando a presença da civilização. O ponto de partida é o ponto de chegada – e ao longo do caminho somos apresentados a pessoas, histórias, numa representação precisa do espaço e das formas de vida que o habitam, incluindo animais em risco de extinção.
Joaquim Pinto vive com HIV e VHC há quase vinte anos. E Agora? é o caderno de notas de um ano de estudos clínicos com drogas tóxicas que alteram a mente e que aguardam ainda aprovação. Uma reflexão aberta e eclética sobre o tempo e a memória, sobre as epidemias e a globalização, sobre a sobrevivência para além de todas as expectativas, sobre a dissidência e o amor absoluto. Um vaivém entre o presente e as memórias do passado, o filme é também uma homenagem aos amigos que partiram e àqueles que continuam cá.
A expedição consiste em quatro mulheres e um homem. O objetivo é publicar um livro que descreva a ilha. A geografia, a língua, os costumes, e as condições sociais serão partilhados e estudados por estes jovens. O público participa na formulação das perguntas colocadas. Os enigmas que existem para eles, são os mesmos que intrigam os perguntadores: o desejo tenaz de compreender um costume relacionado com demónios e um chapéu pintado. Depois o espremer da casca da raíz e a mistura de cores, enfeitando o chapéu, e no zumbido dos insectos, o puro presente, o momento da filmagem. Quando forem ouvirem as cassetes após o regresso a casa, com o canto dos galos, isso trará de volta o ar pesado que os fez adoecer. Os ilhéus estavam felizes na Ilha Reef antes de chegarem a Ureparapara. Por que não são felizes aqui? As condições em que vivem são ‘baixas’ – o que significa isso? Aqui eles trabalham por dinheiro, começando sempre do zero no dia seguinte. Vivem sob uma nuvem opressora. O céu fecha-se sobre as pessoas como a tampo de uma mala. A baía é um buraco no qual o vento sopra e penetra. – Peter Nau, In the South Seas, Der Tagesspiegel, 1979
Do alto e sobre uma selva no Nepal, os peregrinos fazem uma viagem ancestral de teleférico para adorar Manakamana. Os peregrinos fazem uma jornada ancestral num teleférico de última geração. Cada viagem desenrola-se em tempo real, destacando pessoas de todas as esferas da vida à medida que interagem umas com as outras, com a paisagem, e com este novo e estranho modo de transporte. Por meio desses encontros, o filme abre uma janela continuamente surpreendente sobre a vida contemporânea nepalesa, impulsionada pela modernização idiossincrática do país.
O filme As Cidades e as Trocas parte de Lisboa num navio de carga para percorrer a rota atlântica – traçando as rotas do antigo império – com o objectivo de registar as transformações que este movimento de trocas está a produzir na paisagem física e humana. A expansão económica planetária, tratando o progresso como religião, deslocando solo, areia, pedras, montanhas, de um ponto a outro, aplainando, produzindo, construindo, pavimentando: quais são as mudanças e quais são os efeitos desta actividade na vida dos habitantes dessas cidades?
“John Frum profetizou a ocorrência de um cataclismo em Tanna se tornaria plana, as montanhas vulcânicas cairiam e encheriam os leitos dos rios para formar planícies férteis, e Tanna unir-se-ia às ilhas vizinhas de Eromanga e Aneityum, para formar uma nova ilha. Nessa altura John Frum revelar-se-ia, trazendo um reinado de felicidade, os nativos voltariam à sua juventude e não haveria doenças; não haveria necessidade de cuidar de jardins, árvores ou porcos. Os Whiles sumiriam; John Frum criaria escolas para substituir as escolas missionárias e pagaria a chefes e professores. ” – Peter Worsley, ‘The Trumpet Shall Sound: a study of cargo cults in Melanesia’
Três mitos da República de Vanuatu, uma nação insular localizada no Oceano Pacífico Sul, sobre a origem dos humanos, explicando por que os porcos andam sobre quatro patas e por que é que um vulcão está onde está.
Um retrato pouco convencional de uma pequena aldeia isolada do tempo e localizada na fronteira entre a Galiza e Portugal. Momentos de ficção acompanham a vida quotidiana da aldeia, com os ‘actores’ nas suas actividades agrícolas, sentados no bar local cantando canções tradicionais ou contando histórias da carochinha. A combinação da observação detalhada da câmara com os diálogos do ‘Bosque’, uma peça de teatro lírica e existencial, aqui representada pelos aldeões, abre o acesso a um mundo onde a realidade, os mitos e os sonhos se fundem e convivem. É então que um estranho aparece, anunciando uma profecia incerta. O que resta depois do fim, quando já tudo foi consumido?
(registo de performance de Kidlat Tahimik)
Kidlat Tahimik é um jovem que vive em uma pequena aldeia filipina. Quando o filme começa, vê-mo-lo em três fases diferentes da vida (simbolizadas primeiro por brinquedos e depois por verdadeiros ‘jeepneys’, os veículos elaboradamente reformados e decorados a partir dos jipes deixados pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial) cruzando a ponte – ‘a ponte da vida’ – para sua aldeia. Narrando em voz off, Tahimik explica as rotinas da vida na aldeia. Ele tem um fascínio pelas transmissões da Voice of America e, particularmente, pelo programa espacial. Anseia fazer parte do mundo desenvolvido e forma o clube de fãs de Werner von Braun. Quando um americano chega para uma conferência internacional cancelada, Tahimik tem a sua chance. O americano convida-o a viajar até Paris para gerir a sua concessão de máquinas de pastilhas elásticas pelas ruas da cidade. Em Paris, e durante uma viagem à Alemanha, faz amigos e descobre que o progresso do mundo desenvolvido sacrifica valores importantes. Tendo como pano de fundo filmagens de uma cimeira em Paris, e incapaz de regressar a uma imagem idealizada de seu passado, recusa-se teimosamente a capitular aos termos do progresso, renunciando ao cargo de chefe do clube de fãs de Werner von Braun e afirmando encontrar o seu próprio caminho.
Documentário poético e experimental sobre o Vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial, Açores.
Este filme foi rodado entre 1931 e 1933 nas Ilhas Aran, a oeste da Baía de Galway, na Irlanda. A ‘família’ de Flaherty na tela era na verdade composta por três ilhéus sem relação familiar, escolhidos pelo seu apelo fotogénico: Colman ‘Tiger’ King é o personagem principal, um pescador pragmático, Maggie Dirrane interpreta a sua esposa, e Michael Dilate o seu filho. Flaherty está mais interessado em registar a beleza natural das ilhas, em grande parte rochosas, e o mar ao redor, do que em apresentar qualquer informação formal sobre a vida dos ilhéus. A vida aqui é elementar, como era para os esquimós em Nanook, e para os ilhéus do Mar do Sul em Moana. Embora tenha sido criticado por não mostrar as condições sociais que dificultavam a vida dos ilhéus – muitos deles arrendatários de proprietários ausentes e indiferentes ao seu bem-estar económico – o filme passou a ser aceite como uma obra de poesia cinematográfica, em vez de documento social.
Vagueando pela Rússia como se pela casa de um desconhecido. “O segundo dia é o pior. Foi o mesmo no comboio: no segundo dia bati os pés com impaciência. Depois, a partir do terceiro dia, melhora. Acostumas-te à lentidão, à paisagem monótona, a uma vida preenchida por curtos ciclos de dormir-comer-esperar que nada têm a ver com o ritmo de um dia normal.” Publicidades para linóleo, como se fosse uma pedra preciosa, e cidades inteiras – construídas sobre minas de ouro – abandonadas. O caos russo não existe. Apenas a ‘Europa’, estendendo-se até o Oceano Pacífico, e já não apenas até aos fantasmagóricos Montes Urais. – Nicolas Rey
“O Comandante não conseguia decidir se deveria manter um diário e registar os acontecimentos da sua vida. E se alguém o lesse por acaso? (…) Desde cedo compreendeu a dureza particular da vida militar. Assumiu-a com coragem e paciência. Mas ele não sabia que a paciência em si era uma tarefa agonizante.”
“Se a víbora pudesse ouvir, e o escorpião pudesse ver, ninguém escaparia.”<br> A víbora é surda, o escorpião é cego. É assim e assim sempre será, só a vida no campo é tranquila, a cidade é agitada e o ser humano é insaciável. Lacrau busca ‘a curva onde o homem se perdeu’ numa viagem da cidade à natureza. A fuga do caos e do vazio emocional a que chamamos de progresso; matéria sem espírito, sem vontade. Em busca das mais antigas sensações e relações humanas. Perplexidade, medo do desconhecido, perda do conforto básico, solidão, encontro com o outro, o outro animal, a outra planta. Um mergulho em busca de uma conexão com o mundo. Onde o ponto de partida e a linha de chegada são iguais, mas eu não sou.
A Spell é um longa-metragem de não-ficção em três partes que faz referência directa ao cinema de Jean Rouch (Crónica de um Verão), Lisandro Alonso (La Libertad) e Jean-Luc Godard (Sympathy for the Devil), entre outros. Filmado em 16mm nos confins da Noruega pelos artistas/cineastas Ben Rivers (Reino Unido) e Ben Russell (EUA), A Spell retrata um único personagem em três momentos díspares nos seus vinte e tantos – como um eremita na solidão do Círculo Polar Ártico, como um membro incerto numa comuna contemporânea nas Ilhas Lofted, e como baterista de uma banda de black metal neo-pagã. No seu todo, A Spell é uma investigação directa sobre o que significa cultivar uma existência espiritual num mundo cada vez mais secular.
Retratando as quatro estações, cada plano do filme abre com um trecho do diário de Kaczynski (narrado por Benning), que começa com contos de autossuficiência que se transformam em actos de segurança nacional. A tecnologia, a destruição ambiental e a falta de autonomia perante a sociedade industrializada eram as preocupações de Kaczynski. Contrastando esses diários com paisagens profundamente meditativas, Benning desafia as noções do público sobre este manifesto tão perturbador quanto complexo. A revista Variety descreveu Stemple Press como sendo ‘cumulativamente impressionante’ e observou que ‘para aqueles que desejam abrir-se às experiências alquímicas de Benning, a sua arte é pura’.
dos Açores